Ivo Aparecido Franco
É opinião, mas posso fundamentar. Raul Seixas começou sua carreira seguindo os passos do Rei do Rock. Nesse sentido, é válido lembrar da frase famosa de Isaac Newton: “se vi tão longe foi porque subi no ombro de gigantes”, mas sinto a necessidade de realizar alguns apontamentos.
Elvis foi um fenômeno, como poucas vezes foi visto na música mundial, com seu carisma incomparável, dança singular e apelo popular enorme. Mesmo assim acho que rei é um título injusto porque, não segundo minha opinião, mas segundo os fatos, quem criou o Rock´n Roll foi Chuck Berry com a espetacular música “Jonny B. Good”, ao final da década de 50 do século XX. O sujeito foi o gênio, esse sim, por trás da autoria do Rock, novo ritmo que passou a tomar conta dos Estados Unidos. Tenho minhas dúvidas se Elvis não seria somente uma reação da mídia hegemônica à cultura negra, que deu um passo à frente e criou algo novo. Havia num tempo tão complicado, nas décadas de 50 e 60, o temor de que um ídolo negro pudesse tomar conta do cenário cultural. Seria muito mais justo coroar de uma vez por todas Chuck como o verdadeiro rei do ritmo que ele mesmo fundou, só que isso é outra história. Infelizmente sempre vai ter Colombo que consagre algum Américo. Fazer o quê?
Raulzito cresceu ouvindo Elvis Presley, sonhando em ser como o proclamado Rei do Rock. Mas Raul possuía algo a mais. Esse baiano de Salvador tinha realmente o lampejo dos gênios e acho que às vezes erramos ao classificar as pessoas como gênios e não explicar por que o são. É preciso compreender os diferenciais desse tipo de artista. No meu conceito, gênio é alguém que cria algo novo e Raul Seixas realmente fez isso. Confesso que não sou a pessoa mais indicada para falar desse músico, pois minha admiração é tanta, não só a minha mas de uma multidão, que sei que posso passar da linha nos elogios.
Havia por exemplo, ironicamente, uma espécie de teia minimalista na música “A mosca” capaz de captar a atenção inclusive, na infância, de alguém como eu que, devido às limitações da idade, não tinha absolutamente condições de compreender a profundidade da letra. Fiquei mais feliz ao ver que o sensor da ditadura militar à época também não entendeu. Classificou a canção como “algo sem sentido e de mal gosto” Além dessa música ser uma espécie de referência à própria figura do autor, me parece que há ali uma menção direta a Sócrates, o filósofo grego, parteiro de almas que também se denominava “a mosca”. O filósofo gostava desse nome porque dizia que sua função na democracia era incomodar, perturbar, fazer pensar, como Raul faz com a gente até hoje.
Poderia mencionar várias letras, no entanto, como deixar de lembrar de Guita onde o músico, juntamente com Paulo Coelho, nos dá uma das mais belas descrições de Deus em todos os tempos? Ali, faz referências diretas aos livros indianos sagrados. Deus está em tudo “Nos pegue e pagues do mundo”. A primeira vez que ouvi, fiquei pensando “como assim um sujeito ousa dizer que foi a luz das estrelas e a cor do luar?”. Uma belíssima interpretação do diálogo entre Arjuna e Krishna no Baghdavad Guita, visão bastante parecida com o Deus imanente Espinosano.
Em “ouro de tolo”, questiona de forma brilhante o sonho americano besta que perseguimos. Essa, inclusive, é responsável por um dos pequenos remorsos que tenho na vida. Quando a gente gosta muito de alguém, queremos ser pelo menos um pouquinho iguais ao ídolo. Eu infelizmente, ao contrário do soteropolitano ilustre, adoro dar pipoca aos macacos. Lembro que uma vez estive no Rio Grande do Norte e achei sensacional fazer tal coisa, já Raul, achava isso uma heresia contra a transcendência, dizendo que esse negócio de praia, pipoca, macaco era “um saco”. Ele de fato só conseguia e só queria enxergar, “a sombra sonora do disco voador”, o que na minha interpretação indicava que não tinha e não queria ter olhos para a mediocridade, para as coisas comezinhas do dia a dia, por isso Raul era tão grande que não cabia nesse mundo. Chegou a “dar sinal” para descer do planeta, até. Mesmo depois de muito tempo ouvindo as músicas dele ainda me surpreendo. Recentemente descobri que em “Ainda que seja de noite”, encontramos um poema de São João da Cruz. Raul colocou a filosofia ao alcance do povo.
Em “A maçã”, o cantor proclama o amor livre, sem culpa, questionando frontalmente os costumes tradicionais da sociedade.
Tá bom, poderia passar umas dez páginas falando das letras, ainda sim, o que fez de Raulzito gênio foi a mistura cultural que promoveu, dos ritmos nordestinos com Rock n Roll e nesse ponto estava muito à frente de Elvis Presley, porque além de compor as próprias músicas, Raulzito meio que criou o forrock. Creio que a banda que aprimorou o conceito muito tempo depois, também de maneira brilhante, foi a Nação Zumbi no fim dos anos 90, pena que Chico Science nos deixou tão cedo.
Muitas vezes, a grande inovação consiste tão somente em olhar de modo correto para as próprias raízes e Raul soube fazer isso. Grande fã de Elvis desde pequeno, não surfou de maneira integral nas ondas da guitarra que invadiram as rádios mundiais. Soube, ao invés disso, integrar de forma incrível o novo gênero a ritmos nordestinos, numa combinação maravilhosa. Já diria Fernando Pessoa “fala sobre tua aldeia e será universal”. É algo que também faz, guardadas as devidas proporções, João Guimarães Rosa, deixo claro que não estou comparando, apenas dizendo que ambos seguiram em suas obras essa máxima famosa do português.
O brilhantismo aparece desde cedo. Haja vista Michelangelo, que por volta dos 15 anos entalhou uma obra prima na parede, imagem da santa segurando o Menino Jesus. Raul, por sua vez, escreveu na parede de casa aos 14 anos “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Tenho enorme orgulho em ter colocado o nome de Raul em meu filho e, para minha enorme surpresa, com meu pequeno ainda com menos de um ano, minha esposa e eu fomos até as praias de Santa Catarina. Encontramos, na orla, Antenor Gandra, um dos guitarristas que trabalharam com Raul Seixas. O músico me perguntou se o nome era homenagem. Depois que confirmamos, Antenor, emocionado, nos contou algumas passagens vividas ao lado do Maluco Beleza e de qualquer forma, senti como se aquilo fosse uma espécie de batismo, como se Raul tivesse dando sua benção a nosso menino de algum lugar da eternidade.
Por essas e outras afirmo: salve Raul, maior que Elvis!
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