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PEDAGOGIAS E SOCIEDADE – POESIA, GENTILEZA E BARBÁRIES

Dia dos Professores: uma data a ser comemorada? Não sei. Ainda falta muito pra isso acontecer. Um grande retrocesso tem nos envolvido. Precisamos avançar, precisamos da parceria da família e sociedade, pois a escola sozinha não ‘dá conta’. Educar e cuidar é dever de todos. Sonhar, pensar, se encantar, aprender, é direito de todos.

Por: Redação
23/06/2025 às 19h37
PEDAGOGIAS E SOCIEDADE – POESIA, GENTILEZA E BARBÁRIES

Professora Renata Saggioro Silva

Paulo Freire nunca foi tão conhecido quanto agora. Por que será? 

Em meio ao caos educacional, à pandemia, à divisão política em que nosso país se encontra, um homem tão falado no mundo inteiro por sua inteligência, suas experiências positivas educacionais e conhecido no Brasil, antes apenas pelos educadores, hoje está mais que famoso, mas de um jeito estranho: sua memória sendo criticada, execrada... mas por quê?

Paulo Freire dizia que “a educação não muda o mundo, a educação muda as pessoas, e as pessoas mudam o mundo”. Educar, ensinar, em sua visão, é um ato político, pois quando o indivíduo aprende, ele aprende para ser dominador,  dominado ou para aprender a pensar e ser livre, autônomo. Para Paulo Freire, “a educação é também um movimento estético, pois a escola deve ser um lugar de gente, de gentilezas, de bonitezas, de prosa, poesia, de trocas de conhecimento, de compartilhar aprendizagens e saberes” (formais ou não). Para o poeta, educador, teólogo e psicanalista Rubem Alves, a escola tem que “encantar” o aluno, encantá-lo com a possibilidade de vislumbrar novos caminhos e realizar sonhos.

Antes, o biólogo suíço Jean Piaget era estudado pelos educadores. Hoje, na educação, a famosa Emi Pickler é estudada por suas teorias de desenvolvimento. E quanto a nossas raízes indígenas? Alguém conhece a pedagogia do ensino indígena? Os conhecimentos e valores dos povos indígenas? Alguém sabe a diferença entre os povos indígenas e nós, povo da “cidade grande”? O famoso adágio africano: “É necessário toda uma aldeia para educar uma criança” deveria ser modelo mundial de educação, em que família, escola e sociedade se unem para educar a todos. 

Vygotsky fala da importância ‘do outro’ na nossa aprendizagem, no nosso desenvolvimento: os limites, regras, saber ouvir não, saber dizer ‘não’, construir em grupo, pensar coletivamente... o que nos remete à democracia: ouvir e respeitar diferentes opiniões. Wallon fala da afetividade na educação, mas não afetividade relacionada ao abraço, ao beijo e sim à cooperação, à empatia, ao respeito. Sim: podemos incutir valores numa educação ‘afetiva”: que tem uma escuta ativa, que respeita o espaço do outro, a opinião do outro. E quando digo valores não falo de religião, menos ainda de julgamentos. Falo de “Valores”, aqueles ligados ao comportamento humano, essenciais para uma organização social harmônica. 

Tenhamos como referência nossos ancestrais colonizadores ou invasores, a depender do ponto de vista: Portugal é referência mundial na educação, já que é baseada na educação inclusiva, ou seja: o sistema educacional é organizado de forma a responder às necessidades do coletivo estudantil: educação integral é obrigatória, até os 18 anos de idade e os dirigentes buscam se aperfeiçoar constantemente, para atender às necessidades do público discente. Os professores têm mestrado ou doutorado e ótimos salários, além disso, aos 15 anos, os estudantes são preparados para uma “educação para o trabalho”, o que fomenta a mão de obra qualificada no país.

A Constituição Federal Brasileira de 88 diz “A educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, no artigo 205”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) também aborda a relação entre família, escola e educação, no artigo 2º. Mas será que temos cumprido essa lei? Na época da ditadura militar, a escola era para poucos (geralmente os mais abastados). Por isso temos como consequência tantos adultos não-alfabetizados, que não tiveram acesso à educação formal na idade escolar adequada. A consequência disso é a mão de obra desqualificada para o mercado de trabalho. A parte boa dessa história é que as famílias valorizavam a educação e o professor, o Mestre era respeitado e detentor do saber, (infelizmente com uso da truculência). Hoje, as famílias mal fazem sua parte (de conversar com os filhos, olhar as mochilas dos pequenos..., mas querem cobrar agressivamente que os professores cumpram a função deles (pais), tendo ou não condições. Antes, as crianças nasciam para o mundo; hoje estão protegidas numa redoma de vidro, intocável, que os deixa “mimados”, principalmente sensíveis ao “não”. Neste instante é sempre bom retomar que o “não” faz parte de um conjunto de normas e regras que rege a sociedade, e que no caso da família o “não” mostra os limites e também amor, pois quando se ensina (pelo exemplo) o que pode e o que não pode ser feito, o “não” é essencial na vida de uma criança. A dualidade faz parte de uma boa educação: sim, ter horários (rotina) para brincar, para estudar, para interagir, etc. O “não” para abusos, exageros, excessos.

Hoje, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e o PNE (Plano Nacional de Educação) exigem a garantia de vagas, acesso e permanência para todos, porém:

•    são poucas (insuficientes) as escolas existentes (as que estão de pé são velhas, com estrutura e instalação antigas e mal cuidadas) – principalmente as escolas estaduais – que vêm sendo cada dia mais sucateadas pelo Governo
•    são muitos estudantes por sala/turma – a cada dia mais (imagine 35 crianças de 3 anos numa sala de aula com apenas 1 professor: algo INSANO, mas real) – isso porque já existe uma lei federal em que, na educação infantil por exemplo, deve haver um máximo de 20 crianças por turma (e o que se vê nas escolas municipais são 28, 32, até 40 pequenos para cada professor cuidar e educar, sozinho, sem apoio, sem estrutura física, material, pedagógica). Vale ressaltar que essa lei tem o prazo para entrar em vigor até outubro de 2025.
•    o ensino do contraturno (nas escolas que têm período integral) é fraco, cansativo, inadequado, “mais do mesmo”, ao invés de trazer novas experiências e habilidades deixa os alunos revoltados, cansados; muitos municípios investem na quantidade e não na qualidade do ensino-aprendizagem
•    falta formação de qualidade e boas condições de trabalho aos docentes, falta melhoria nos salários, valorização da categoria
•    escassez de materiais (pois as verbas adequadas nunca chegam, ou quando chegam são insuficientes para atender todas as demandas da escola). Imagine que algumas prefeituras oferecem tablets aos estudantes, mas os educadores não o recebem, e menos ainda têm formação para trabalhar com as novas tecnologias (tablets nas mãos dos nossos pequenos)
•    sem contar as políticas públicas sociais: muitas famílias precisam que as crianças e jovens trabalhem para ajudar no sustento da casa (e assim abandonam a escola). 

Para falar resumidamente, há pouco investimento na educação (ou inadequado), professores sobrecarregados, doentes, e famílias que transportam suas carências e obrigações para os docentes.

Vale considerar o processo histórico: na Idade Média os professores eram castos, ou seja: freiras e padres... ser professor era ter dom, “amar ao próximo”. Hoje em dia sabemos que precisamos multiplicar e entender: a lei, a rotina de trabalho, exige que sejam profissionais, seres humanos (que erram e acertam), que estudam, pesquisam, educam (e cuidam). O que era dever da família e do Estado tem caído “nas costas” dos Mestres. Famílias não sabem ouvir “não” ou oferecer limites a seus filhos, e por isso a violência cresce nas escolas. A lei deveria exigir também segurança emocional, boas condições de trabalho, salários justos, formação de qualidade (atualizada), planos de carreira, benefícios, isenção de impostos. Afinal, o que seriam das outras profissões se não fossem os professores?

Leis não faltam, boas referências estão à disposição, teóricos temos aos montes – de renome internacional. Basta organização, planejamento e políticas públicas interessadas em que TODOS SEJAM FELIZES, em que TODOS aprendam, em que TODOS prosperem, se respeitem cumprindo regras e normas. Basta iniciativa, autonomia, liberdade, respeito à ciência, às pesquisas, às boas referências. 

Tenho esperanças na educação, em dias melhores, como sonhavam e viviam Paulo Freire e Rubem Alves. ‘Esperancemos’ juntos. Assim como pregava Rubem Alves, sonhamos que a poesia, a gentileza, a humanidade estejam mais presentes nas escolas, nas pedagogias, na sociedade.

"Um sonho que se sonha só é apenas um sonho, sonho que se sonha junto é realidade" (Raul Seixas).

Gentileza gera gentileza (José Datrino – Poeta Gentileza)

QUER SABER MAIS?

LEIS BRASILEIRAS NA EDUCAÇÃO. Educação, Direito de Todos. Disponível em https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/crianca-e-adolescente/educacao/alimentacao-escolar/marcos_legais/art_205_208_cf.pdf Acesso em 16 out 2024

JEAN PIAGET. Disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que-colocou-a-aprendizagem-no-microscopio?gclid=CjwKCAjwtfqKBhBoEiwAZuesiOGCO-hX_0bA0nSg3A68RkWzZh3WjSM8D5gEtpB3OxHvs8_WGiSAThoCt8kQAvD_BwEAcesso em 16 out 2024

PORTUGAL REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO. Disponível em https://unintese.com.br/blog/saiba-porque-portugal-e-referencia-em-educacao-inclusiva#:~:text=Em%20Portugal%2C%20cerca%20de%2098,quando%20falamos%20em%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Inclusiva.Acesso em 16 out 2024

RUBEM ALVES. BIOGRAFIA. Disponível em https://www.ebiografia.com/rubem_alves/ Acesso em 16 out 2024

Imagem: https://www.pensador.com/autor/rubem_alves/biografia/ 

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