Ivo Aparecido Franco
Durante a década de 70, ocorreu aquela que pode ser considerada como a luta do século, o Rumble in the jungle, nome que consagrara o evento. Dois dos lutadores mais importantes do boxe em todos os tempos participaram do embate. Eis que as circunstâncias realmente confirmariam o Rumble in the Jungle como a luta do século e talvez a maior de todas.
Muhammad Ali dispensa apresentações. Seu nome de batismo era Cássius Clay. A trajetória de Ali é marcada não apenas pelos socos que desferiu, mas também por sua inteligência incrível. Ali recitava poemas durante as entrevistas, politicamente engajados, tal como ele próprio. Isto num período em que ser politicamente engajado, ainda mais para um negro, era algo realmente perigoso. Cássius Clay, mudou de nome para Muhammad Ali logo após sua conversão ao Islamismo e fazia questão de que respeitassem seu novo nome. Quando lhe perguntavam a respeito dessa troca ele dizia: “Cassius é nome de escravo, eu não sou escravo de ninguém”. Em uma de suas lutas mais famosas, seu adversário, Ernie Tell insistiu em chamá-lo de Cassius, por isso, durante o combate, infligiu-lhe uma impiedosa surra, perguntando em todos os rounds: “como é meu nome”, o que só teria parado depois que o adversário disse bem baixinho: “Cassius”. (esta parte é por conta do mito ninguém ouviu ele falar). No início de carreira, ganhou bem cedo a medalha olímpica e por ter sofrido um episódio de racismo, arremessou a medalha para dentro do rio Ohio, sendo a peça procurada até hoje. Contudo, o episódio que , na minha opinião, realmente o consagraria como herói, fora quando de sua recusa em participar da guerra do Vietnã. Ao ser questionado sobre isto, responderia: “eles não fizeram nada contra mim”. É óbvio que havia uma tentativa de utilizar a imagem do maior pugilista de todos os tempos como propaganda, a fim de arrastar um monte de jovens negros incautos ao Vietnã, que iriam por inspiração do ídolo. (Ali, Deus te abençoe por isso). Ainda hoje na internet, podemos ter acesso a várias cenas do pugilista discutindo com multidões furiosas porque não quis ir à guerra.
George Foreman. Outro gigante. Deste vou falar logo após dissertar sobre a luta.
O combate ocorreria em 1974, no Congo, não se falava em outra coisa. Muhammad Ali estava suspenso do esporte há dois anos pela recusa em ir ao Vietnã. Sagaz como era, não utilizaria apenas do boxe, mas também do raciocínio aguçado para tentar vencer. Assim que chegou ao território africano teria perguntado: “ei, diz aí alguma coisa que o povo daqui odeia”. Alguém teria respondido a ele: “o povo daqui odeia os Belgas”. Huuum... respondeu ele.
Conta-se que o povo do Zaire fora escravizado pelos belgas durante muitos anos e que se utilizavam pastores alemães para persegui-los. Muhammad Ali, partindo dessas premissas, criou uma história fictícia de que Foreman era belga e tratou de espalhar a fan fic o máximo que conseguiu entre os nativos da região. Para piorar as coisas, coincidentemente, George Foreman chegou com um pastor alemão embaixo do braço, o que automaticamente confirmou sua condição belga. Resultado: Ali ganhou automaticamente milhares de fãs que sequer compreendiam nada de boxe, sequer ligavam para o que estava ocorrendo, mas adotaram o clássico bordão: “bomaye, Ali”, o povo gritava forte(mate-o, Ali).
A luta foi incrível. Quem não assistiu, veja inteira no You Tube, eu gosto de velharias. A torcida tinha dono. Aos gritos de “bomaye, bomaye”, George Foreman foi derrubado no oitavo round. E não poderia ser outro, pois o oito é o número que consagra a eternidade. Este embate não merece menos que isso.
George Foreman.
Este não se recuperou tão cedo do trauma de ter perdido a luta. Pouco tempo depois da derrota, subiu ao ringue contra cinco lutadores a fim de provar que ainda era bom. Ali que era um fanfarrão, compareceu ao evento e gritava à beira do ringue: “de mim você não ganhou, né?”
Poder-se-ia dizer que haveria o fim da história de Foreman em 1977, devido ao enorme desgosto após perder no Zaire e, de fato ele se aposentaria naquele ano. Mas a partir daqui, tudo o que houve me permite afirmar que George era uma figura tão incrível quanto Ali.
Decidido mesmo sobre a aposentadoria, passou a se dedicar à igreja, inclusive envolvido em diversas ações sociais. Ocorre que, passados dez anos de sua primeira aposentadoria, faltou dinheiro para igreja. O que decidiu fazer? Voltou a lutar em 1987. Depois disso, contei no Wikipedia aproximadamente trinta e tantas lutas e somente três derrotas!!! Imagine-se um sujeito que volta a lutar profissionalmente aos 38 anos, para ajudar a igreja em que congrega e faz tudo isso! Porém o mais incrível ainda está por vir.
Houve mais um hiato na carreira do pugilista. Percebeu que de novo estava perdendo o foco e resolveu parar outra vez, achou que já era hora. Entretanto, movido pela paixão ao esporte, resolveu aceitar um último desafio, dessa vez, a disputa do título mundial aos 45 anos de idade. Ocorre que Foreman, de maneira inacreditável, derrubou seu oponente, Michael Moorer, de apenas 26 anos de idade, sagrando-se assim o campeão mundial mais veterano de todos os tempos. Ainda é possível ver Foreman fazendo das suas por aí. Quem não lembra do famigerado grill?
Por fim, cabe dizer: mais do que o esporte, a nobre arte em si, o que mais importa aqui é a história de dois seres humanos fora de série: um que será sempre lembrado, justamente, como o maior de todos, pelo engajamento político, sagacidade, inteligência e coragem. O outro pela interminável capacidade de acreditar que tudo é absolutamente possível. Cabe uma nota triste: por estes dias, vi a última imagem de Ali, ainda em vida. Nem de longe lembrava aquele sujeito poderoso que chegou até a sair na mão contra o Super-Man (sim, foi feito um quadrinho sobre isto). Faz questionar sobre aquilo que é mais importante na vida, os valores a serem cultivados nesse plano, que o fim de todos nós, apesar da força, será sempre o mesmo. Descanse em paz, guerreiro!
“Ali, big, Ali
You will never die
May your soul
Sting like a bee
And float like a butterfly”