Uma mãe de aluno de onde leciono para crianças de 5 e 6 anos de idade, me enviou uma mensagem via whatsapp perguntando ‘o que era a brincadeira que sua filha havia aprendido na escola’, em que ela ficava com uma florzinha, dizendo: mal-me-quer, bem-me-quer.
Surpreendeu-me a mãezinha não conhecer essa tão antiga brincadeira – ou tradição (registrada cerca de 1850, surgida na França). Expliquei a ela, como fiz com as crianças: quando minha mãe era criança, brincava com as irmãs e as amigas, e depois ela me ensinou, quando eu era pequena, a pegar uma florzinha (geralmente uma margarida) e ir tirando pétala por pétala, para saber se ‘aquele amiguinho’ gostava ou não da gente: se a última pétala da flor fosse “bem-me-quer”, tudo indicava que éramos correspondidos. Se a última pétala fosse a palavra “mal-me-quer”, a pessoa indicada não sentia o mesmo afeto.
Neste mesmo dia, recebi uma mensagem de amigos, falando da árvore de Natal e presentes do coração, que era um pequeno poema que eu usava há mais de 20 anos atrás em reuniões pedagógicas, ou final de ano, para entregar aos amigos, em forma de cartão de Natal.
Esses dois acontecimentos me fizeram refletir sobre a importância de resgatarmos, revermos, revisitarmos (ou como queiram chamar), as coisas boas da nossa infância, da nossa adolescência, da nossa vida. Muitas pessoas usam a palavra “retrô”, para ressignificar o que foi bom e deve ser lembrado, revivido, como a antiga vitrola, que hoje existe de maneira mais moderna, com sistema bluetooth e outros aparatos, mas que inclusive e principalmente toca discos de vinil. Outros chamam de nostalgia, outros de saudade. Concordo em muitos aspectos, por exemplo: o resgate de cartas escritas a mão, para entregar aos amigos, familiares queridos é algo (hoje) inusitado, mas foi com certeza uma das minhas memórias afetivas mais intensas quando eu escrevia cartas para minha bisavó e ela as respondia, ou quando escrevíamos na escola, cartas para fábricas de chocolate e eles nos enviavam de volta livros de receitas. Eram duas emoções: a primeira era escrever e enviar, ficando na expectativa, e depois quando já não se lembrava mais, chegava o segundo momento mega emocionante: “receber a resposta”. Nossa, quanto contentamento: havia um sentimento de acolhida, de pertencimento: “alguém se lembrou de mim, parou para escrever, organizar ideias e materiais, foi até o correio para me encaminhar algo”. Também acho importante resgatarmos com nossas crianças pequenas as músicas, histórias, poemas de nossa infância, para que não se percam em nossas memórias. São todos instrumentos de história, cultura, resgate de ancestralidade, de respeito aos que vieram antes de nós, são parte de nossa história.
Assim como devemos conhecer essa nossa história, para saber o que não foi bom e que nunca será bom para nós, como as situações da época da ditadura, por exemplo. Naquele tempo, não se falava muito sobre isso porque era proibido, perigoso, mas minha mãe contava que meu avô pedia aos filhos: “não falem nada sobre política com ninguém, não se pronunciem, não falem mal de políticos, não reclamem da vida para os outros...” Minha mãe me contava como a médica do postinho ajudava minha avó a cuidar de oito filhos, dois deles com deficiência física, muitas vezes até pagando a passagem para o hospital especializado em São Paulo, e me contava também como essa profissional foi perseguida e como desapareceu, simplesmente por ajudar os menos favorecidos. Também me contava como um vizinho, honesto e trabalhador, foi torturado e espancado sem ter feito literalmente ‘nada’.
É por isso também tão importante conhecermos a história de Anne Frank, que viveu em Amsterdã, ficou enclausurada num sótão para não ser assassinada por nazistas que acreditavam no poder dos ‘brancos’ e repetiam ao povo, convencendo-os de que suas maldades eram boas: “Deus, Pátria e Família”, lema este que muitos políticos ainda hoje usam (resgatando essa história de horror como se fosse algo bom de ser revivido).
Jesus só falava de amor, compaixão, paz... e também foi perseguido por poderosos que queriam mais dinheiro e mais poder, para subjugar e condenar inocentes. Sua missão era ensinar a ‘amar ao próximo como a ti mesmo’, sem julgar ou condenar, sem atirar a primeira pedra, pois “quem nunca pecou?” Não é o que vemos em muitas igrejas que condenam, torturam física ou emocionalmente os homossexuais, por exemplo. Precisamos resgatar esses valores e princípios éticos e morais que traziam harmonia, amor, que diziam (como Jesus) lembrando sempre que “Somos todos iguais perante Deus” e perante a lei (para quem não acredita em Deus), que somos todos imortais e viemos (todos: ricos e pobres, chefes ou empregados): “Viemos do pó e ao pó voltaremos”: respiramos o mesmo ar, bebemos da mesma água, moramos no mesmo Planeta.
Que possamos não apenas neste Natal, mas durante todo o ano, resgatar com as crianças as brincadeiras saudáveis de nossa infância, as cantigas de roda, os poemas recitados, as brincadeiras de rua, a convivência com os pais (sem celular), para que a vida seja mais leve.
Que possamos resgatar e vivenciar o bem, o amor, a alegria, o respeito, a tolerância, a gentileza, a compaixão, a delicadeza, a honestidade, a sinceridade, a verdade, a paz, o “bem-me-quer”, a amizade, a exemplo de Jesus, de Buda, de Shiva e de tantos outros conceituados nomes de nossa história mundial.
Deixo como presente aos queridos leitores, o resgate do poema que citei no início e que, infelizmente, desconheço o autor, mas que considero que deve ser lido e relido, decorado, recitado, compartilhado, multiplicado:
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Árvore do coração
Quisera Senhor, neste Natal, armar uma árvore dentro do meu coração e nela pendurar, em vez de presentes os nomes de todos os meus amigos.
Os antigos e os mais recentes.
Aqueles que vejo a cada dia e os que raramente encontro.
Os sempre lembrados e os que às vezes ficam esquecidos.
Os constantes e os intermitentes.
Os das horas difíceis e os das horas alegres.
Os que sem querer eu magoei, ou sem querer me magoaram.
Aqueles a quem conheço profundamente e aqueles a quem conheço apenas as aparências.
Os que pouco me devem e aqueles a quem muito devo.
Meus amigos humildes e meus amigos importantes.
Os nomes de todos que já passaram por minha vida.
Uma árvore de raízes muito profundas, para que seus nomes nunca mais sejam arrancados do meu coração.
De ramos muito extensos, para que novos nomes vindos de todas as partes venham juntar-se aos existentes.
De sombras muito agradáveis para que nossa amizade seja um momento de repouso nas lutas da vida.
Que o Natal esteja vivo em cada dia do ano que se inicia, para que possamos viver juntos o amor.
Autor Desconhecido
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QUER SABER MAIS?
Disponível em https://www.pensador.com/frase/MTE4MTIwMQ/ Árvore do coração. Acesso em 24 dez 2024
Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bem_me_quer..._mal_me_quer Bem-me-quer. Acesso em 24 dez 2024
Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-uso-do-lema-nazista-deus-patria-familia-para-fragilizar-a-democracia-no-brasil/1743487672 O uso do lema nazista Deus, Pátria e família. Acesso em 24 dez 2024
Disponível em https://www.annefrank.org/en/anne-frank/who-was-anne-frank/quem-foi-anne-frank/ Quem foi Anne Frank. Acesso em 24 dez 2024
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=zyxEZDUsmNY O QUE COLOQUEI NA MINHA ARVORE DO CORAÇÃO ! UM ABENÇOADO NATAL A TODOS. Acesso em 24 dez 2024
Imagem1: Arun Kuchibhotla/ Unsplash… - Disponível em https://www.uol.com.br/universa/horoscopo/noticias/redacao/2023/11/28/cada-enfeite-conta-simpatias-e-rituais-na-hora-de-montar-a-arvore-de-natal.htm?cmpid=copiaecola Acesso em 24 dez 2024
Imagem 2: Disponível em https://pt.pngtree.com/freebackground/christmas-tree-desktop-wallpaper-with-lighting_12828625.html Acesso em 24 dez 2024