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Nair Hans

Esta é minha amiga Nair Hans. Ela vem da Ilha de Tristão de Cunha, fui olhar no mapa para ver onde era, mostrou que é o lugar mais isolado do mundo. Perguntei à Nair, por que seus pais moravam lá, ela respondeu do jeito dela: “Meus pais não gostavam de gente”. Nair é um anjo. Uma vez por semana, passo na casa dela para tomar um café, ela me serve água da torneira. Eu aceito porque somos muito amigos e ela é uma mãezona. Tem umas ideias filosóficas escritas que faz tempo insisto para ela colocar aqui no “Leia”. Para minha surpresa essa semana ela aceitou. Fiquei muito feliz, porque é autodidata e muito inteligente. Deixo vocês com os escritos dela.

Por: Redação
26/11/2024 às 00h41 Atualizada em 27/11/2024 às 18h11
Nair Hans

Ivo Aparecido Franco

O Ivo me chamou para fazer esse artigo faz um tempo. Era pra entregar faz uns três dias, só que meu cachorro morreu. Morreu de peste, acho, não sei direito. Caiu duro. Não entreguei a escrita antes porque passei três dias olhando pra ele pensando o que ia fazer. Era sábado e o lixeiro só passa terça. Enfiei ele no saco de lixo e pinxei fora.

Eu fiz umas ideias de filosofia e faz tempo que o Ivo me chama aqui pra eu contar. Não tenho muita escola. As coisas que aprendi, foi sozinha mesmo, lá na Ilha não dava muito pra ir ao colégio.

Eu nunca falo minha filosofia inteira. Eu tenho medo que roubem, deu trabalho fazer. Filosofia é igual toalha de crochê. Não serve pra nada, mas dá trabalho fazer. Aí tomo cuidado né?

Um dia veio um povo de faculdade aqui em casa conhecer minha ideia. Acho que era da USP. Eu não gosto da USP. Não gosto de ninguém. Eram duas meninas e um rapaz. Dei três copos d´água pra eles. Tinha uma caixa de Mandiopã dentro do armário. Ia fazer pra eles. Fechei o armário, não fiz. Uma das meninas gostou de mim, disse que me dava 200 reais se eu falasse minha filosofia. Só pensei, não sou puta, mas achei graça. Falei a ela, da cá os duzentos. Ela riu e deu. Ficou olhando pra minha cara e eu pra dela. Cadê meus 200, ela quis saber. Eu falei “que duzentos”. Ela: “te dei duzentos reais”. Falei:”Ah, tenho Alzheimer”. Ela: “Alzheimer”? Eu: “Que Alzheimer”?

Eu gosto de filosofia. Tenho a coleção dos Pensadores aqui em casa, roubei de um sebo. Toda vez que saía levava um volume na calcinha. Nunca desconfiaram. Roubei o último e nunca mais voltei.

Minha filosofia é um pouco difícil. Eu sei que vocês não vão entender mesmo assim vou tentar falar. Não tudo. Vocês podem roubar.

Tenho meu barquinho. Gosto de ir e voltar remando até Tristão da Cunha, minha terra natal. Minha mãe ainda está viva, benza Deus. Mas logo ela morre e eu fico com a casa. Acho que dá pra alugar por uns 800.

O nome da minha filosofia é reducionismo. O mundo, ele é grande demais. Tem coisa demais, gente demais, isso irrita. Na minha filosofia, eu reduzo isso. Só interessa eu.

Então por exemplo, pra entender: eu não gosto do INPS. Acho que velho tem saúde, precisa trabalhar, vai aposentar pra que. Ficar dentro de casa dando bufa? Que vida é essa? Só que é aí que vem o reducionismo: se o INPS acabar hoje, a pensão do meu falecido eu não perco, é direito adquirido. O resto dos velhos precisa trabalhar, eu não. Tenho bico de papagaio, dói muito. Isso da dor, tem a ver com o estoicismo, mas só parece. No estoicismo eles suportam a dor. No reducionismo, eu cuido da minha dor, quem quiser ser trouxa seja, não é difícil.

Eu gosto de filosofia, só que não tenho muito estudo. Só fui até o quarto ano do grupo. Falei pro Ivo, se eu escrever lá, vão roubar minha ideia? Ele disse que não, porque parece muito o que já acontece. Fiquei brava com ele. Não entendi.

Esse menino vem em casa toda semana me encher. Toda vez insiste em pedir café. Já falei que não tem, ele fica rindo, praga. Eu sirvo as visitas com água da torneira mas não gosto, gasta demais. Por isso eu não quis saber de filho.

Eu sou bonita, sabe. Vocês viram aí minha foto. Toda santa semana aparece um homem me querendo. Não quero. Um dia teve um que apareceu aqui no meu rincão perguntando se eu fazia homenagem a toá perguntei que diabo era isso ele deu risada e foi-se embora.

Desculpa não escrever mais. Eu não falo mais do reducionismo, não é só pra vocês não me roubarem. É que tem informação demais. A cabeça de vocês não agüentava. Vocês não acompanham minha inteligência. Mas é isso. Meu livro do reducionismo tá bem adiantado, já tem duas páginas e meia. Abraço. Vou lavar quintal.

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