Bárbara Soares
A perda física é algo curioso. Me dei conta que determinadas pessoas se habituam ao vazio que
o outro deixa; outras não se habituam tanto, e outras pessoas, não se habituam nunca e de jeito
nenhum.
A gente se desliga da pessoa no campo material, quer dizer, não encontra mais, não telefona
mais, não envia vídeos pelo celular, não recebe mensagens ou marca encontros e, tampouco
frequenta aniversários. No entanto, a pessoa continua ali, no canto de nossa memória, seja em
lembranças positivas ou ruins. Se nós continuamos no canto da memória da pessoa já são outros
quinhentos. Verdade é que fica parecendo que vamos terminando a relação com aquela pessoa
muito tempo depois no nosso coração do que no rompimento físico.
Vamos aceitando, e em outros momentos nos digladiamos conosco mesmos e, conversamos
com outras pessoas tentando defender nosso ponto de vista e, mostrar o quanto estávamos
certos (ou não). Mas o ‘deixar ir’ na prática leva tempos e tempos até chegar ao mar do
esquecimento.
Fato é que, há todo tipo de desligamento por este mundo afora. Seja por decisão mútua, madura
e consciente, este tipo é o mais raro. Há sempre uma das partes que não esperava por aquele
adeus, que não imaginava que aquele seria o último abraço. Seja por decisão unilateral, seja por
decisão divina, seja por acidente, seja por incidente, por pegadinha do destino, por assim dizer,
pelo acaso de uma vida.
Tem vezes que me pego tentando lembrar quando foi a última vez que encontrei com aquela
determinada pessoa em uma circunstância alegre. E qual foi a última vez que achei que não
fosse a última vez a encontrar com aquela pessoa, mas na verdade era sim a última vez. Ah, se
eu soubesse. Se alguém tivesse me avisado: - Olha, não discute com aquela pessoa não, hoje
está marcado para ser o último dia em que irão se encontrar na face desta Terra, desta vida,
desta dimensão. Mas ninguém nos avisa, até mesmo o Divino, para os seres celestiais,
parecemos estar tão surdos, cegos, mudos que raramente conscientemente nos despedimos de
alguém e podemos dar o adeus real oficial.
Este ano fui presenteada com duas despedidas conscientes. Não que me despedir destas
pessoas que faziam parte do meu cerne emocional fosse algo que eu quisesse, mas talvez fosse
algo necessário. Uma das despedidas foi da minha maravilhosa amiga e irmã, Del Valle Herrera.
Me desloquei apressada em fevereiro deste ano - aterrissei em Mendoza, na Argentina - cidade
que meu coração mora e, logo fui abraçada por aqueles que tão perplexos como eu, mal podiam
crer na morte ali, estampada, anunciada.
Após meros três dias ao lado dela no hospital, simplesmente me despedi, consciente que era
nosso último encontro terreno, dei um abraço descrente do que estaria por vir. Apresentei Jesus
a ela e pedi para que ela o encontrasse com muito amor.
Porém houveram alguns segundos ali, que voltei ao quarto do hospital pois achei ter deixado
minha garrafa de água no quarto e, quando voltei, dei mais um Adeus, assim como quem dizia,
vou ali na padaria e já volto tá? E, fui fechando a porta do quarto assim devagarinho, guardando
na memória dos meus olhos, aquela imagem que eu veria pela última vez.
Outra despedida foi mais moderna mesmo, foi on-line digamos assim. Uma pessoa querida (para
mim) a, quem eu já havia percebido que não é muito dada aos ‘adeuses’ corajosos e, na única
oportunidade a qual me foi dada, me despedi via WhatsApp mesmo e, agradeci muito por sua
presença em minha vida, disse palavras de amor ao invés de despejar ali a frustração de uma
despedida a distância. Este foi um outro adeus bastante amadurecido e, consciente de que esta
foi a oportunidade que a vida me deu para elaborar um Adeus.
É curioso como a despedida é apenas presenteada aos que se encorajam. Não é corajoso apenas
aquele que pula de bungee jump ou que cumpre uma lista de desejos.
Tenho aprendido que a despedida consciente é um presente raro que a vida dá aos que não se
acovardam. Ao mesmo tempo que não me agrada para nada dizer adeus, tenho entendido que
poder dizer palavras finais, poder fazer gestos finais, poder fechar uma porta e jogar a chave
fora é um raro momento ao longo desta jornada.
De todo modo, há mais outros tipos de adeus que precisarei aceitar mesmo buscando me
preparar para eles. Há mais fases, idades, empregos, amigos, parentes, paisagens, costumes,
comidas, hábitos, músicas, casas, lugares, pessoas que irão passar e, será necessário dizer adeus
para poder dar as boas-vindas.
É tão maravilhoso ao mesmo tempo a nova sensação de uma temperatura que nunca antes
sentimos, um sabor que nunca havíamos experimentado, uma emoção que sentimos pela
primeira vez, uma nova vida, um novo caminho, um novo endereço, um novo amor, nova saúde,
novos amigos, novos parentes. Novo tudo. Renovo.
Sei que estamos adentrando logo ali, na esquina ao mês de dezembro e, como boa sapeca que
estou sendo, já estou fazendo minha avaliação de 2024 antes mesmo de novembro acabar.
Não quero esperar o ano fechar com chave de ouro. Eu quero trazer a própria porta que se
encaixa no feixe desta fechadura de ouro. Já estou visualizando o novo.
Desejo aprender a dizer Adeus, desejo para os que se foram que: encontrem novas bárbaras
trasluzidas de Joanas, novos alexandres em forma de juarez, novas donas-de-casa, novas
profissões, novas crenças não limitantes, novas músicas, novos estudos, novos empregos, nova
saúde, nova sensação. Um renovo.
Desejo abraçar o novo, o presente que já está anunciado: o novo ano.
Que possamos neste fim de ano conseguir dar um Adeus consciente ao que de fato precisa ser
encerrado em nossas vidas.
FELIZ DESPEDIDA PARA VOCÊ!
Um beijo carinhoso no coração de ti, quem está lendo este texto enquanto este não se esvai.
ALEGRIA
PAZ
AMOR