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Depois da Festa

Ivo Franco

Por: Redação
28/01/2024 às 18h39
Depois da Festa

Depois da festa de fim de ano, houve vários plantões no hospital. Por uma dessas infelizes ou felizes coincidências do destino, trabalhávamos com pessoal reduzido, afinal os demais plantonistas ainda não estavam totalmente recuperados das festas de fim de ano. Por sinal, quem fora escalada comigo para esses plantões: Silvia. Não bastasse eu ter resolvido bem mal aquela dança que tivemos, ainda era obrigado a suportar de modo estoico sua presença longilínea e magnética pelos corredores do hospital, aparentemente me ignorando, sem me dar atenção, por vezes concentrada em perscrutar algum raio-x ou tomografia. 
Vez por outra eu forçava a barra a fim de ver se conseguia me aproximar, ser notado, mas Silvia tinha um jeito circunspecto de quem está interessada exclusivamente por um mundo próprio e peculiar onde eu, inclusive, parecia não caber. Talvez houvesse espaço para ela e o marido e não para mim, alguém que cometeu o pecado de se apaixonar por uma mulher casada. Não era o que parecia no dia em que dançamos, porque ainda sentia o cheiro de suas madeixas entranhado no meu olfato, me fazendo lembrar dela não somente nos corredores do hospital, porém também nos corredores de casa.
Fui guerreiro. Conversei com várias pessoas acerca dessa mal ajambrada situação. Não queria me declarar para uma mulher casada, tinha vergonha, não sabia exatamente qual seria sua reação. Aliás, sabia! Por certo ela não teria o mínimo interesse por mim. Tentei, em nome da ética, o possível e impossível para esquecê-la, sabia que não tinha nenhum sentido aquela paixão, que se tratava de um equívoco.
Arroubos de um adolescente. Como diria Luiz Vaz de Camões, amor é “ter com quem nos mata lealdade”, portanto, tratava de chegar em casa, todas as tardes nas quais não trabalhava e afundar no sofá ao som de “Alone” do Heart, algo que já me denuncia a idade. Acho que fiz isso uma vez, duas, quarenta, quem sabe! Eu pensava: já que vai sangrar, sangra. Sangra. Na minha cabeça, se fizesse o coração sangrar o suficiente, talvez em algum momento não houvesse mais fluxo. Eu estaria livre. Ela seguiria a vida dela, eu a minha, tudo estaria em paz.
O amor é algo engraçado. Acho que não disse como gostei de Silvia. Um dia, o cara da expedição foi falar com ela. Do nada fiquei com ciúmes, apenas porque ele foi um “tico” mais gentil. Oras, fiquei preocupado, extremamente preocupado! Comecei a imaginar que  estava completamente ferrado: por que diabos  senti ciúmes de uma mulher que não era minha? Dali em diante soube que estava completamente ferrado. 
Quando digo que tentei de tudo, foi tudo mesmo: terapia, desabafo, música, até tarô andei consultando a fim de saber se a mulher gostava de mim. Senti-me envergonhado por isso, que coisa pueril! Em essência, de fato, nada resolveu meu problema. Foi então que lembrei de algo da psicologia que vi uma vez. Um especialista disse que se encarássemos o fato, provavelmente haveria uma chance de superá-lo. Eu não tinha chance alguma. Então, por insanidade ou puro desespero, numa daquelas noites do plantão, decidi confrontá-la.
Não era assim tão afastado de Silvia. Tínhamos conversas periódicas das quais guardava cada sorriso, cada gesto... aquela voz, há, aquela voz... Porém, como nas melhores tramas machadianas, nada daquilo estava correto. Precisava dar um jeito, portanto, se lhe dissesse algo, se me declarasse, seria somente no intuito de tentar esquecê-la.
Respirei fundo. Numa dessas noites em que estávamos eu, ela no plantão e mais alguém de quem não lembro, cheguei até sua sala.
- Oi, tudo bem?
- Oi, respondeu.
- Tá ocupada?
- Não, pode falar.

Estávamos um pouco lacônicos, então resolvi desembuchar logo, ao melhor estilo dos garotos da quinta série:
- Sílvia, sabe que confio bastante em você, não sabe?
Ela fez uma expressão engraçada, soltou um riso de canto de boca que ainda fazia com que ficasse mais linda. Que pena, que pena. Se me declarasse a ela, seria somente como um réquiem, uma espécie de elegia triste em que contaria sobre um sentimento e depois me despediria. Fiquei parado um instante, olhando bem, no fundo dos olhos dela. Ela tirou os olhos de cima da tela do computador por um instante:
- Pode falar.
Pigarreei. O que eu ia fazer? Eu ali sentado, diante dela, com medo das palavras que poderia proferir e me fazer passar vergonha.
-Fala, Carlos, o que foi?
Fitamo-nos. Entreolhamo-nos novamente. Eu ali, acuado feito animal selvagem à espera do golpe final de um caçador ou do toureiro.
Pigarreei de novo:
- Estou gostando de uma pessoa aqui do hospital.
Silvia fez cara de surpresa. Qualquer coisa que fazia, o mínimo gesto, sentar na cadeira de um modo diferente, mexer no cabelo, mexia comigo de modo sem precedentes.
Ignorando minha paralisia, Silvia arriscou:
- Deve estar gostando da Cátia, né?
Quem ficou surpreso naquele momento fui eu. Cátia? Cátia era somente uma grande amiga, com preferências parecidas, bastante afinidade, mas nada, além disso. Meneei a cabeça.
- Não, não é a Cátia. Ela é uma grande amiga.
Silvia ficou olhando minha cara. De minha parte esperava que me poupasse o trabalho e deduzisse que havia de forma inadvertida me apaixonado por ela.
- Não acredito que não seja a Cátia. Deve estar mentindo sobre isso.
Quem estacou então fui eu. Respirei fundo:
- Quer realmente saber quem é?
Silvia se ajeitou na cadeira. Houve uma pausa dramática patrocinada por nós dois, até mesmo a porta de madeira bateu com força, sob a força do vento, causando um forte estampido no corredor. Pensei comigo: “É agora”. Então, assim que me preparei para dizer, Sílvia exclamou:
- Pára, não diz!
Eu parei. Acho que acabou percebendo que a tal pessoa poderia ser ela, então não seria dessa vez que eu conseguiria exorcizar meu amor proibido.
Fui para casa frustrado. Mais uma vez creio que não conseguiria me declarar, dizer à Silvia tudo aquilo que sentia. Talvez não fizesse isso nunca, contudo sabia que meu desejo de dizer a ela sobre meu amor era realmente apenas uma forma de tentar me libertar. Sempre me achei feio, por isso não acreditava que uma mulher do gabarito dela viesse realmente a se interessar por mim e, mais a mais, casada ainda, quais seriam as chances de levar tal coisa adiante? Cheguei em casa e ouvi Chris de Burgh. Lady in Red. Mudei um pouco o repertório
No dia seguinte, já havia perdido as esperanças. Não iria dizer nada mais, então novamente encontrei Sílvia por acaso, já tendo declinado da ideia.
- Oi, ela disse.
- Oi, respondi sem graça.
Houve um silêncio.
- E aí, ainda pretende dizer de quem você gosta?
Então fiquei surpreso e fiz um pouco de charme:
- Não acho que seria adequado, Silvia. 
Ela ficou me olhando surpresa:
- Por que não? - disse de modo desapontado.
Pensei numa resposta satisfatória:
- Sabe, um dos lugares mais lindos que já vi, foi uma caverna onde havia dentro um espelho d´água. Dizer algo assim a alguém, seria como mostrar um lugar bonito, agora pense, Silvia: e se a outra pessoa não gostar de caverna, tampouco de espelhos d´água?
- Isso é algo que você acha!-notei certa indignação em sua voz.
Seja como for, aticei sua curiosidade. Agora ela parecia bem disposta a saber quem era a pessoa de quem eu estava gostando.
- De qualquer modo, se me der coragem, um dia te falo.
- Vou ter de esperar até a velhice?
Não entendi sua fala.
- Como?-perguntei.
- Nada.-respondeu.
- Tá.
Dei as costas. Mais uma vez iria embora sem dizer nada. Seria de fato frustrante, contudo talvez não seria prudente falar assim de modo tão aberto a respeito do amor que sentia.
Voltei. Ela estava cabisbaixa e sem graça.
- Quer saber mesmo?-disse decidido
Ela não respondeu nada.
- É você, Silvia. Gosto de você. Eu te amo.
Antes de ela responder qualquer coisa, coloquei-me no papel de alguém que tinha feito algo muito feio, proibido:
- Olha, gostei de você, mas posso deixar de gostar, não se preocupe! Sei que é casada e que não vai querer nada comigo, isso é somente um sentimento meu, só estou desabafando.
Silvia ficou em silêncio
Ensaiei ir embora de novo, porém fiquei curioso.
- Escuta, antes de ir embora, queria te perguntar algo, esse sentimento é só meu ou você também sente alguma coisa por mim?
Para minha surpresa, Silvia estava cabisbaixa. As maçãs do rosto bastante avermelhadas, havia lágrimas em seus olhos. 
- Gosta de mim, Silvia? Gosta?
- Não posso responder sua pergunta-disse em voz baixa.
Eu simplesmente não acreditava. Estava completamente emocionada. Eu quase tive uma epifania: ela também gostava de mim!

Para sonhar com Carlos e Silvia

Alone, Heart:
https://www.youtube.com/watch?v=1Cw1ng75KP0


Lady in Red, Chris de Burg
https://www.youtube.com/watch?v=T9Jcs45GhxU

 

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