Ivo Aparecido Franco
Trabalhadores de uma construtora em Brasília foram sumariamente executados enquanto dormiam. Segundo relatos de testemunhas, a Guarda Especial de Brasília teria metralhado os operários enquanto dormiam, algo ocasionado por conta dos protestos acerca da comida servida pela empresa. Conta-se que as vítimas, contratadas para trabalhar em uma obra na Vila Planalto, próximo à Praça dos Três Poderes, constantemente reclamavam da refeição, que muitas vezes era servida estragada ou até mesmo com pequenos animais mortos. As acomodações também não eram adequadas: obrigados a dormir em colchões de capim, com percevejos e piolhos, os operários ainda eram submetidos a longas filas para se alimentarem. Os sanitários eram buracos cavados no chão.
Não foi a primeira vez que houve reclamos acerca da alimentação. Assim, chamada para conter os revoltosos, a GEB invadiu o acampamento durante a noite, atirando contra as vítimas. A investigação oficial concluíra que houve quarenta e oito feridos, entretanto, há relatos de que mais de cem malas com diversos pertences foram abandonadas nos alojamentos e ninguém teria voltado para buscar. A suspeita é de que os números foram alterados a fim de não comprometer o andamento das obras de engenharia, consideradas estratégicas durante o período desses acontecimentos. Essa ocorrência na obra que contava com mais de 1300 operários permanece um grande mistério, haja vista contar com diferentes versões.
Na física moderna, bastante explorada pelos filmes da Marvel, temos uma tentativa nobre da Teoria das Cordas para unificação de ideias bastante desejada por Einstein. Entre muitas coisas, essa teoria apregoa a existência de diferentes dimensões no espaço-tempo cósmico. A partir disso, sigo pouco mais além: o espaço-tempo dos fatos e da própria história também conta com múltiplas dimensões, assim podemos dizer que existe em qualquer história, uma dialética das cordas, pois cada sujeito que conta um fato, o faz a sua maneira e fatalmente contaminará a história com suas impressões pessoais, culturais e sociais. O sujeito não é uma lente objetiva, dessa forma, toda narrativa vem carregada de alguma subjetividade da qual, acredito, nem o historiador está livre. Surgem múltiplas dimensões acerca de um mesmo acontecimento e para o bem ou para o mal, cada uma delas acaba por vezes sendo tão real quando a própria verdade, algo que ocorre por exemplo com as “fake news”. No caso do massacre da Pacheco Fernandez não foi diferente. A própria escolha de chamar a situação de massacre, eventualmente já denuncia uma tomada de posição da parte de quem escreve esse artigo, uma escolha deliberada em considerar o ocorrido uma espécie de injustiça. Tendo em vista o bom jornalismo e um olhar adequado sobre as coisas, dever-se-ia levar em conta a hipótese de que só tenha morrido uma pessoa, ao invés de terem morrido mais de cem, o que não seria menos grave. Chamo atenção do leitor a esse ponto, apenas na finalidade de que se observem as diferentes visões sobre os fatos, notícias e também acerca do mundo, a fim de que fiquemos o mais próximo possível da verdade.
Na situação da Pacheco Fernandez, do qual se vão mais de sessenta anos sem que houvesse uma investigação adequada a respeito do que ocorrera, reafirmamos a possibilidade de criação de multiversos inclusive pela seara histórica. Uma vez que os historiadores escolhem não mencionar essa ocorrência extremamente emblemática, cria-se uma dimensão na qual o fato simplesmente não ocorreu. Sendo pouquíssimo noticiada inclusive pelos jornais da época, o tal massacre não aparece nos livros de história, deixando-nos apenas com a impressão pujante de uma Brasília simbólica de uma espécie de renascimento idealizado por Juscelino Kubitscheck, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Nós, pobres mortais, ficamos presos a uma realidade na qual por muitas vezes é algo profano retratar a covardia cometida contra quem é pobre e tem poucos recursos para se defender. A esse respeito ainda vejamos: por que é menos importante que a historiografia oficial lance um olhar sobre isso do que o faça com os acontecimentos da Inconfidência Mineira? Seria apenas porque a Inconfidência contava com figuras do calibre de Tomás Antônio Gonzaga e se não está nos livros didáticos por essa razão, não está por que então? Isso nos leva a uma outra reflexão: tendo em vista o modo como o episódio é retratado, ou nunca é, quais outras situações ocorreram ao longo da história às quais também não foi dada a devida atenção por não terem sido adequadamente divulgadas? Então várias indagações nos levam a conclusões completamente diferentes a respeito da mesma coisa e, nesse caso, temos de tomar cuidado para não cometermos uma série de potenciais injustiças, nem contra a memória das vítimas, nem contra nossas próprias convicções.
Não ser enganado e receber as notícias de maneira correta é um direito de qualquer espectador de boa vontade. Porém é preciso que saibamos que quem é dono da narrativa, na esmagadora maioria das vezes, não está interessado na verdade, mas sim na verdade que convém a ele próprio. A fim de que possamos construir nosso caráter de forma adequada e principalmente das gerações vindouras, é preciso que haja um olhar imparcial sobre tudo aquilo que nos é contado e principalmente sobre aquilo que nos é escondido. Para isso é preciso que vejamos documentários alternativos sobre uma série de assuntos diferentes e tenhamos contato com cultura.
A morte dos operários foi uma fatalidade terrível, mas acima de tudo, não podemos permitir que seja metralhado junto com eles o espírito de resistência a uma injustiça, apesar das tentativas de esquecimento. Para além do tempo e do espaço, nossas impressões morais a respeito desse caso, precisam se sublevar acima das torres mais altas da capital federal para que episódios como esse jamais venham a ocorrer novamente.
(O massacre da Pacheco Fernandez ocorrera em 8 de fevereiro de 1959, durante a construção da capital federal)
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